terça-feira, 3 de maio de 2011

HUMANIZAR-SE PARA SER DIVINIZADO

Estamos habitados por uma fome imensa de plenitude. Ao mesmo tempo vamos compreendendo que esta fome só pode ser saciada em relações de reciprocidade amorosa. Em primeiro lugar, precisamos do amor dos outros para sermos capazes de amar. Depois, precisamos de amar o próximo, a fim de crescermos em maturidade. Com efeito, é na medida em que nos damos que nos possuímos.
Os seres pessoais estão talhados para o dom. Isto não acontece com os animais. As pessoas humanas são imagem perfeita de Deus, três pessoas em reciprocidade plena de comunhão.O amor dos outros dá-nos segurança. Por outro lado, o nosso amor aos outros faz desabrochar em nós a alegria e a felicidade. A pessoa que se dá não se perde. Pelo contrário, encontra-se e possui-se.
A realidade da pessoa talhada para o dom e a reciprocidade amorosa é um mistério, isto é, uma realidade que não é evidente mas que se revela gradualmente. Por vezes distorcemos as respostas a este chamamento de plenitude e felicidade que se faz sentir no mais profundo de nós mesmos.
Uma maneira de iludir esta fome de plenitude que levamos dentro é a fuga para o mundo exterior da sexualidade, do dinheiro, do poder, do álcool ou da droga. Mas a experiência vai ensinando que estas fugas mutilam a pessoa, tanto a nível físico como psíquico, e não preenchem a nossa fome de plenitude. A fuga na sexualidade sem projeto de amor é uma distorção. A nível humano, a sexualidade é um grito a clamar por amor. Exprime-se como um apelo fundamental a construir a vida numa dinâmica de aliança que se concretiza como processo histórico de amor e comunhão.
A sexualidade humana não é apenas uma necessidade biológica de tipo instintivo, como no animal. Tem uma dimensão psíquica, a qual não pode ser iludida, pois está talhada para o amor e a comunhão. O desrespeito desta verdade gera desequilíbrios e distorções na personalidade. A sexualidade humana tem uma matriz mental, ponto de encontro entre o bio-psíquico e o espiritual. As simples aventuras sexuais não só não são geradoras de equilíbrio emocional, como provocam frustrações e experiências que marcam a vida de modo negativo.
O que dramatiza as nossas vidas são os conflitos que foram sendo registados no nosso cérebro. Muitos destes conflitos têm um cunho sexual. Formam uma estrutura emocional, um entretecido de interações negativas que condicionam os nossos comportamentos. As aventuras sexuais não passam de relações frustrantes, pois agudizam a fome de plenitude amorosa que levamos dentro. O mesmo podemos dizer de outros tipos de fuga, alguns dos quais geram dependências perigosas.
A fome de felicidade que levamos conosco tem uma direção e uma densidade espiritual. É um grito que brota da nossa realidade mais profunda, isto é, a nossa interioridade pessoal-espiritual e tende para a comunhão universal do Reino de Deus.
A pessoa, seja qual for a sua natureza, é um ser que se constitui como interioridade livre, consciente, responsável, única, original, irrepetível e capaz de comunhão amorosa. Para oferecer resposta à fome de plenitude que nos invade, Deus sonhou e planeou o mistério da Encarnação do seu Filho. Pela Encarnação, a Divindade enxerta-se na Humanidade, a fim de esta ser assumida e incorporada na Família Divina, onde cada pessoa encontra a sua plenitude. O grau de plenitude que a pessoa encontra na Família de Deus é proporcional à sua capacidade de amar e comungar.
Na sua densidade espiritual, a pessoa situa-se ao nível do ser, não do ter. Por isso, quando se dá, não se perde. Isto faz-nos compreender como a pessoa não vale pelo tem, mas pelo que é. O cristão sabe que o pão para matar a fome e a água para matar a sede de vida plena são-nos dados por Cristo Ressuscitado.
O grande dom de Cristo Ressuscitado é o Espírito Santo que nos habita e, com o seu jeito maternal de amar, nos conduz a Deus Pai que nos acolhe como filhos e a Deus Filho que nos abraça como irmãos. É também o Espírito Santo que, com seu jeito maternal de amar, alimenta a fraternidade humana universal.
Fomos batizados num mesmo Espírito, diz São Paulo a fim de fazermos um só corpo (1 Cor 12, 13). Isto significa que participamos do Espírito Santo com Cristo Ressuscitado a quem estamos unidos de modo orgânico. O Espírito Santo é o pão espiritual que comemos e faz de nós corpo de Cristo (1 Cor 10, 17; 12, 27). Em perspectivas cristãs, a fome de felicidade e plenitude que vibra nos mais íntimo do nosso ser, é um apelo a caminharmos na linha da fraternidade e da comunhão.
O Espírito Santo, com o seu jeito maternal de amar, introduz-nos na família divina como filhos em relação a Deus Pai e irmãos em relação a Deus Filho (Rm 8, 14-16; cf. Ga 4, 4-7). Eis o pão da plenitude ao nosso alcance. É gratuito e está vinte e quatro horas disponível para nós. Com Jesus Cristo a história humana deu um salto de qualidade. A Humanidade passou do estado de não divina, para a condição de Humanidade divinizada.
O ser humano é capaz de comungar na medida em que está humanizado. Isto quer dizer que será eternamente mais divino quem mais se tiver humanizado na história. É agora que construímos a nossa identidade eterna. Utilizando uma imagem de festa, diria que dançaremos eternamente o ritmo do amor e da comunhão com o jeito que tivermos treinado agora, na história. A festa do Reino é a superação total da solidão e a conquista definitiva da felicidade que só acontece em dinâmica de comunhão.
Como acabamos de ver, a nossa plenitude é proporcional à nossa realização. Somos nós que construímos aquilo que será plenificado por Deus. Em termos humanos podemos dizer que o futuro histórico de cada um de nós é o leque de possíveis de humanização que ainda temos para realizar.
Este futuro pode acontecer ou não, depende de nós. De fato, o ovo de galinha fecundado está cheio de possíveis capazes de dar um pintainho. Mas estes possíveis podem realizar-se ou não. Se estrelarmos este ovo não teremos pintainho.
A humanização do ser humano não é uma fatalidade. Depende de nós. Só acontece através de um encadeamento de opções, decisões, escolhas e realizações na linha do amor. O nosso futuro eterno é a divinização mediante a assunção do nosso ser pessoal-espiritual na comunidade divina.
A humanização do ser humano é um processo histórico cuja lei é: “emergência pessoal-espiritual mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal que, em perspectivas cristãs, é humano-divina. Somos o resultado personalizado da história que construímos com os talentos que recebemos dos outros. É este o mistério do Homem em construção.

Nenhum comentário:

Postar um comentário